Esta noite — era a lua já morta —

Olá, exploradores de lendas e mistérios! Hoje vamos mergulhar em um dos mitos mais antigos e intrigantes do folclore brasileiro: o Anhanga. Você já ouviu falar desse espírito que pode aparecer como o mais belo veado de olhos flamejantes ou até mesmo como um tatu gigantesco? Prepare-se para descobrir a história, a origem e as características desse ser que habita o imaginário de diversas culturas indígenas e que continua a fascinar até os dias de hoje.

A Origem do Mito

O Anhanga é um dos mitos mais antigos do Brasil colonial, registrado por diversos cronistas e missionários dos séculos XVI e XVII. Padres como Manuel da Nóbrega, José de Anchieta e Fernão Cardim descreveram-no como um ente malfazejo, um espírito que trazia infortúnios aos que cruzavam seu caminho. Exploradores europeus como Jean de Léry referiram-se a ele como "aynghan", enquanto Hans Staden mencionou o temor dos indígenas por um diabo chamado "igangue".

Anhangá tem origem na palavra tupi-guarani “alma velha”, “espírito maligno” ou “demônio”, sendo utilizado para descrever espíritos protetores da floresta ou entidades ligadas ao mundo dos mortos. O poeta e indianista Gonçalves Dias interpretou como "Mbai-áiba", ou "coisa má". Outros estudiosos, como Tastevin e Teodoro Sampaio, associaram-no à alma dos falecidos ou a um espírito malévolo. Essa multiplicidade de significados reflete a complexidade e a riqueza do mito, que varia conforme a região e a cultura indígena.

Características do Anhanga

Uma das características mais fascinantes do Anhanga é sua capacidade de assumir diferentes formas. Ele pode aparecer como um veado branco com olhos flamejantes, um tatu do tamanho de um novilho ou até mesmo como uma força invisível que traz mau agouro. Em todas as suas manifestações, ele é considerado um presságio de desgraça ou um protetor da natureza contra a ganância humana.

Segundo algumas tradições, o Anhanga é um espírito guardião que protege os animais e a floresta dos caçadores irresponsáveis. Couto de Magalhães descreve-o como o "deus da caça do campo", que pune aqueles que matam fêmeas amamentando ou caçam além do necessário. Encontrar o Anhanga poderia trazer febre, loucura ou até a morte, especialmente se o caçador desrespeitasse as leis da natureza.

Anhangá.
Anhangá.
Anhangá.
Anhangá.

O mito do Anhanga também representa a dualidade entre o bem e o mal. Em algumas lendas, ele é visto como um espírito celestial que, ao ser associado a entidades infernais pelos colonizadores, começa a se corromper. Para evitar essa corrupção, divide-se em vários pedaços, refugiando-se nos corpos dos animais que protege. Assim, ele vive em fragmentos, convertido nas formas desses animais, agora conhecidos como anhangás.

Lendas e Narrativas Populares

No Nordeste brasileiro, circulam histórias sobre caçadores que perseguem um misterioso veado branco de olhos flamejantes e acabam enfrentando consequências sombrias. Acredita-se que esse veado seja, na verdade, o Anhanga, um espírito que pune os caçadores por sua ganância ou falta de respeito pela natureza. Mandai, um lendário caçador das regiões do Rio Grande do Norte e Ceará, evitava caçar às sextas-feiras, acreditando que esse era o "dia da caça e não do caçador", um costume que reforçava o respeito ao ambiente natural.

Na mitologia tupi-guarani, Anhangá é um espírito temido e misterioso, considerado o guardião das florestas e dos animais, mas também um inimigo de Tupã, o poderoso deus do trovão e criador do mundo. Anhangá é conhecido por sua habilidade de tomar a forma de diversos animais, como um cervo de olhos de fogo, com o objetivo de confundir e assustar os caçadores que ousam desrespeitar a natureza. Embora proteja os seres da floresta, ele se opõe a Tupã, e os dois travaram uma batalha épica. Tupã, com sua força divina, venceu Anhangá, condenando-o ao submundo, de onde vaga como uma entidade inquieta e feroz, sempre à espreita.

Entre os povos indígenas tapuias do Rio Uaupés, no Amazonas, há registros de que o Anhanga se manifesta sob a forma de animais que, ao serem mortos, revelam-se humanos transformados. Em uma história documentada por Brandão de Amorim, um grupo de veados que devastava uma plantação foi abatido, mas, no dia seguinte, suas carnes haviam se transformado em carne humana. Esse episódio revelava que os caçadores haviam tirado a vida de pessoas que assumiam a forma de animais.

Conclusão

O Anhanga é muito mais do que um simples espírito ou fantasma; é um símbolo complexo que reflete a relação entre o ser humano e a natureza, o bem e o mal, o sagrado e o profano. Suas histórias nos convidam a respeitar o mundo natural e a entender que nossas ações têm consequências. Ao lembrarmos do Anhanga, somos incentivados a viver em equilíbrio com o ambiente que nos cerca.

Então, da próxima vez que você se aventurar pela mata ou contemplar a vida selvagem, lembre-se do Anhanga e das valiosas lições que esse antigo espírito tem a oferecer.

Inimigo de Tupã, Anhangá é o protetor dos animais e dos caçadores. Embora tenha esse significado, é associado ao mal e a tudo o que vem das regiões infernais. Acreditam que seu espírito vaga solto, tomando a forma de animais selvagens e trazendo má sorte para quem com ele se depara.

Referências

  • ALVES, Januária Cristina.Abecedário de Personagens do Folclore – E Suas Histórias Maravilhosas.Edições Sesc São Paulo,2017.
  • CASCUDO, Luís da. Antologia do Folclore Brasileiro. V. 1. Rio de Janeiro: Global, 2001.
  • CASCUDO, L. Geografia dos Mitos Brasileiros. Belo Horizonte: Itatiaia Limitada, 1983.
  • FERNANDES, F. O Folclore em Questão. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
  • SIMAS, Luiz Antonio. Bestiário Brasileiro – Monstros, Visagens e Assombrações. Bazar do Tempo São Paulo, 2024.