Enquanto os portugueses avançavam sistematicamente contornando a África, os espanhóis surpreenderam o mundo com a viagem de Cristóvão Colombo em 1492

Você já se perguntou se a chegada de Pedro Álvares Cabral às terras que hoje conhecemos como Brasil foi realmente um "acaso feliz" ou parte de um plano meticulosamente elaborado? Essa questão tem intrigado historiadores por décadas e alimentado debates acalorados sobre a intencionalidade da descoberta do Brasil em 1500.

O Contexto das Grandes Navegações

No final do século XV e início do XVI, Portugal e Espanha lideravam as grandes navegações. Essas expedições eram impulsionadas pela busca de novas rotas para as Índias, motivadas pela escassez de metais preciosos na Europa e pelo desejo de obter especiarias e riquezas do Oriente. Enquanto os portugueses avançavam sistematicamente, contornando a África, os espanhóis surpreenderam o mundo com a viagem de Cristóvão Colombo em 1492.

Esse cenário de intensa competição levou as duas nações ibéricas a firmarem o Tratado de Tordesilhas em 1494. O acordo dividia o mundo conhecido (e o por descobrir) por uma linha imaginária traçada a 370 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde.

Tratado de Tordesilhas.
Tratado de Tordesilhas.

O Início da Expedição

A expedição de Pedro Álvares Cabral, que partiu de Lisboa em 9 de março de 1500 rumo à Índia, foi a maior esquadra portuguesa a cruzar o Atlântico até então. Composta por 13 embarcações e cerca de 1.500 homens — incluindo navegadores experientes como Bartolomeu Dias, Diogo Dias e Nicolau Coelho —, a frota estava bem equipada para uma jornada de 18 meses. Cabral recebeu incentivos generosos: a promessa de 10 mil cruzados e a permissão para adquirir e transportar 30 toneladas de pimenta, um produto altamente valorizado na Europa, que poderia ser revendida sem impostos.

PEREIRA DA SILVA, Oscar. Desembarque de Cabral, 1904. Óleo sobre tela. Museu Paulista da Universidade de São Paulo, São Paulo.
PEREIRA DA SILVA, Oscar. Desembarque de Cabral, 1904. Óleo sobre tela. Museu Paulista da Universidade de São Paulo, São Paulo.

Apesar dos incentivos, a expedição enfrentou sérios desafios. Em 23 de março, uma das embarcações, comandada por Vasco de Ataíde e com 150 homens a bordo, desapareceu misteriosamente — uma perda significativa para a frota. No entanto, a jornada prosseguiu. A frota cruzou a linha do Equador em 9 de abril e navegou para o oeste, distanciando-se ao máximo do continente africano.

A Estratégia da "Volta do Mar"

A "volta do mar" era uma manobra engenhosa: os navios viravam para oeste, escapando das calmarias do Golfo da Guiné e afastando-se consideravelmente do litoral africano. Posteriormente, retomavam o rumo sudeste, contornando o Cabo da Boa Esperança (outrora conhecido como Cabo das Tormentas) no extremo sul da África. Essa tática não só evitava águas perigosamente calmas, mas também ampliava as chances de descobrir novas terras.

Rota de Pedro Álvares Cabral.
Rota de Pedro Álvares Cabral.

A chegada ao Brasil foi planejada ou aconteceu por acaso?

Argumentos a Favor da Intencionalidade

  1. Conhecimento Prévio de Terras a Oeste: Alguns historiadores argumentam que Portugal já tinha ciência da existência de terras a oeste. A insistência de D. João II nas negociações do Tratado de Tordesilhas sugeriria essa possibilidade. Afinal, por que lutar por uma divisão tão específica se não houvesse algo a ganhar?
  2. A Não Parada em Cabo Verde: Cabral não fez escala em Cabo Verde para reabastecer, prática comum nas viagens da época. Isso poderia indicar que ele planejava encontrar terras onde pudesse fazê-lo.
  3. Argumentos a Favor da Casualidade

  4. Ausência de Documentos Oficiais: Não existem registros oficiais que indiquem uma missão secreta ou instruções para descobrir novas terras. Se houvesse uma intenção deliberada, por que não haveria documentação a respeito?
  5. Ausência de Padrões de Pedra: Os portugueses costumavam levar padrões de pedra para demarcar novas terras descobertas. Cabral não levou nenhum, o que sugere que não esperava fazer descobertas terrestres.
  6. A questão permanece sem consenso. Enquanto alguns defendem a teoria da intencionalidade baseando-se em indícios e interpretações, outros argumentam que a descoberta foi um feliz acaso, resultado das circunstâncias da navegação e das correntes marítimas. O que é certo é que, independentemente da intenção, a chegada dos portugueses ao Brasil marcou o início de uma nova era.

    Terra de Santa Cruz

    Em 22 de abril de 1500, a armada portuguesa, sob o comando de Pedro Álvares Cabral, avistou um monte arredondado que batizou de Monte Pascoal, em referência à época do ano — a semana da Páscoa. Esse território foi inicialmente denominado Ilha de Vera Cruz e, posteriormente, Terra de Santa Cruz, no que hoje conhecemos como litoral da Bahia.

    <strong>PERES</strong>, Pedro. Elevação da Cruz em Porto Seguro, 1879. Óleo sobre tela. Acervo do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro.

    Naquele momento, a região era habitada por duas nações indígenas do grupo linguístico tupi: os Tupinambás e os Tupiniquins, com os Aimorés vivendo mais para o interior. O encontro entre indígenas e portugueses marcou o início de um processo que transformaria profundamente as paisagens social, econômica e territorial do futuro Brasil colonial.

    Documentos Confirmam a Descoberta

    Em 2 de maio de 1500, Cabral enviou a Lisboa uma nau carregada com amostras de pau-brasil, animais e cartas. Essas correspondências, redigidas por capitães, escrivães, religiosos, fidalgos e marujos, eram todas endereçadas ao rei e sua corte. Infelizmente, a maior parte desses escritos se perdeu com o tempo. Restaram apenas três documentos, que se tornaram as "certidões de nascimento" do Brasil: a Carta de Pero Vaz de Caminha, a Carta de Mestre João e a Relação do Piloto Anônimo.

    Pero Vaz de Caminha, embora não fosse o escrivão oficial da armada, foi nomeado contador da feitoria de Calicute. Ele escreveu um relato detalhado que sobreviveu até hoje. Sua carta, guardada nas gavetas da burocracia real por três séculos, só foi publicada pela primeira vez em 1817. Desde então, tornou-se uma das principais fontes sobre a chegada dos portugueses ao Brasil.

    "Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra o sul vimos até à outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas por costa. Tem, ao longo do mar, nalgumas partes, grandes barreiras, delas vermelhas, delas brancas; e a terra por cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta, é toda praia parma, muito chã e muito formosa."

    — A carta de Pero Vaz de Caminha. p. 14. Ministério da Cultura. Fundação Biblioteca Nacional.

    Trecho da Carta de Pero Vaz de Caminha. Documento Oficial.
    Trecho da
    Trecho da Carta de Pero Vaz de Caminha. Documento Oficial.
    Trecho da

    O Pós-Descobrimento e Suas Consequências

    Nos 50 anos seguintes ao descobrimento, Portugal demonstrou pouco interesse pelas novas terras, mantendo seu foco no lucrativo comércio com o Oriente. Apenas quando outras nações, como a França, começaram a explorar o pau-brasil e estabelecer presença na região, Portugal decidiu efetivamente colonizar o território. A criação das Capitanias Hereditárias em 1534 foi uma estratégia para ocupar e administrar o vasto território, dividindo-o entre nobres encarregados de desenvolver economicamente suas parcelas de terra.

    Referências

    • Caminha, Pero Vaz de. Carta a El-Rei Dom Manuel sobre o achamento do Brasil, 1500.
    • Bueno, Eduardo. Náufragos, Traficantes e Degredados: As Primeiras Expedições ao Brasil. Editora Objetiva, 1998.
    • Varnhagen, Francisco Adolfo. Historia Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria do Estudante, 1868.
    • Buarque de Holanda, Sérgio. Visão do Paraíso: Os Motivos Edênicos no Descobrimento e Colonização do Brasil. Companhia das Letras, 2000.
    • Castro, José de. Os Descobrimentos Portugueses. Lisboa: Bertrand Editora, 1986.
    • Gouvêa, Maria de Fátima. Brasil: Uma História. Editora Ática, 2012.
    • Correia, Gaspar. Lendas da Índia. Lisboa: Academia Real das Ciências, 1561.
    • Lopes de Castanheda, Fernão. História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses. Lisboa: Imprensa Nacional, 1541.
    • Domingues, Joelza Ester. "Pedro Álvares Cabral avista Terra do Futuro Brasil." Ensinar História. Disponível em: https://ensinarhistoria.com.br/linha-do-tempo/pedro-alvares-cabral-avista-terra-do-futuro-brasil/ ↩
    • Fernandes, Luís. "A Descoberta do Brasil: Intencionalidade ou Acaso?" Revista de História Naval, 2010.
    • Gouvêa, Maria de Fátima. Brasil: Uma História. Editora Ática, 2012.
    • Varnhagen, Francisco Adolfo. Historia Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria do Estudante, 1868.