A filosofia ocidental tem suas raízes na Grécia antiga, onde os pensadores pré-socráticos (séculos VII a V a.C.) buscaram explicar racionalmente a natureza do mundo, afastando-se das explicações mitológicas. Esses filósofos estabeleceram as bases para o desenvolvimento posterior da filosofia e da ciência.
O período pré-socrático foi marcado por intensa especulação filosófica, com mais de cem pensadores contribuindo ativamente. Destacam-se figuras como Heráclito, Parmênides e Pitágoras, que exploraram questões fundamentais sobre a natureza do mundo, a origem das coisas e os princípios que governam a realidade.
O termo "pré-socrático" refere-se a uma filosofia focada no mundo natural, na matemática e na compreensão dos mecanismos do universo. Em contraste, as ideias de Sócrates e Platão concentravam-se mais em questões sociais, políticas e morais. A escassez de escritos originais dos pré-socráticos dificulta uma análise direta de suas ideias, sendo a maior parte do nosso conhecimento derivada de obras posteriores, principalmente de Platão e Aristóteles.
Os pré-socráticos anteciparam conceitos posteriormente desenvolvidos na filosofia grega e lançaram as bases para a investigação científica moderna. Suas contribuições, embora por vezes desorganizadas, representam saltos cruciais no pensamento humano.
Questões fundamentais abordadas pelos pré-socráticos incluem:
- A relação entre unidade e multiplicidade
- A origem da diversidade a partir de uma substância básica
- O equilíbrio entre mudança e constância
- O relativismo e a natureza dos princípios fundamentais
- A busca por uma unidade racional subjacente à realidade
Esses filósofos pioneiros buscavam explicar racionalmente a criação do mundo, os fenômenos naturais e a origem do cosmos, utilizando matemática, astronomia e biologia. Seus esforços representam os primórdios da filosofia e da ciência ocidentais, estabelecendo os fundamentos sobre os quais a tradição intelectual posterior foi construída.
1. A Escola Jônica ou Milesiana: A Busca pelo Princípio Único
A Escola Milesiana, fundada na cidade de Mileto na costa da Ásia Menor (atual oeste da Turquia), floresceu entre 590 e 530 a.C. Influenciada por conhecimentos da Babilônia (principalmente em matemática e astronomia), do Egito e do Oriente, esta escola de pensamento marcou um avanço significativo na história da filosofia. Os filósofos milesianos — Tales, Anaximandro e Anaxímenes — rejeitaram deliberadamente a visão religiosa predominante da época, que atribuía os fenômenos naturais à ação de deuses antropomórficos e a explicações mitológicas. Em vez disso, buscaram explicações naturais, observando o mundo ao seu redor e desenvolvendo hipóteses e estruturas gerais para compreender a diversidade de fenômenos que encontravam.
Embora se afastassem das explicações míticas, os milesianos ainda eram influenciados pelas antigas cosmogonias, que concebiam o mundo como originado de uma unidade indiferenciada ou amorfa — um tema recorrente em textos hebraicos, egípcios, babilônicos e gregos. Mileto, um importante porto e centro comercial entre Oriente e Ocidente, proporcionou um ambiente propício para o intercâmbio de ideias. É provável que os três principais filósofos milesianos se conhecessem; acredita-se que Anaxímenes tenha sido, de alguma forma, discípulo de Anaximandro, embora isso não seja certo.
Os filósofos milesianos buscavam identificar o "arché", o princípio fundamental que constitui todas as coisas:
- Tales de Mileto propôs a água como elemento primordial, observando sua importância para a vida e versatilidade. Conhecido por prever um eclipse solar em 585 a.C., Tales foi engenheiro e conselheiro real. Sua ideia de que tudo deriva da água representou uma busca pela unidade fundamental do universo.
- Anaximandro introduziu o conceito de "ápeiron" — o ilimitado ou indeterminado — como princípio básico do universo. Ele acreditava que tudo emerge desta substância infinita e eterna, com forças opostas criando um equilíbrio dinâmico que origina o mundo visível. Anaximandro contribuiu significativamente para a astronomia e cartografia gregas, criando o primeiro mapa-múndi e uma esfera celeste com uma Terra cilíndrica no centro.
- Anaxímenes sugeriu o ar como elemento fundamental, capaz de se transformar em outras substâncias por condensação e rarefação. Esta teoria explicava a diversidade natural através de transformações graduais de um único elemento. Sua filosofia retomou aspectos das ideias de Tales, substituindo a água pelo ar como substância primordial.
A contribuição mais importante dos milesianos foi a ideia de uma substância fundamental única que origina o mundo natural por processos de diferenciação. Este avanço marcou um afastamento significativo das cosmogonias religiosas e antropomórficas anteriores, estabelecendo uma filosofia natural baseada em causas naturais e mecanismos regulares. Assim, lançaram as bases para uma compreensão científica do universo, propondo que a causa primordial e a "substância" poderiam ser imperceptíveis e onipresentes. A Escola Milesiana, portanto, inaugurou uma abordagem racional e naturalista para explicar o cosmos, rompendo com tradições mitológicas e pavimentando o caminho para o desenvolvimento da filosofia e ciência ocidentais.
2. Pitágoras
Pitágoras de Samos foi um dos filósofos e matemáticos mais influentes da Antiguidade, nascido por volta de 570 a.C. na ilha de Samos, na Grécia Jônica. Após deixar sua terra natal, possivelmente devido ao regime do tirano Polícrates, viajou extensamente antes de se estabelecer em Crotona, no sul da Itália. Lá, fundou uma escola que combinava filosofia, matemática e misticismo, cujos membros ficaram conhecidos como pitagóricos.
A matemática era central na visão de mundo de Pitágoras, servindo como ferramenta essencial para compreender a estrutura e a harmonia do universo. Ele considerava os números como entidades divinas e acreditava que eles revelavam os padrões subjacentes ao cosmos. Essa perspectiva levou à descoberta de importantes propriedades numéricas e geométricas, incluindo o famoso Teorema de Pitágoras. Além disso, a relação entre matemática e música resultou na ideia da "música das esferas", onde os movimentos planetários eram associados a intervalos musicais, refletindo uma ordem matemática universal.
A influência de Pitágoras foi profunda e duradoura, especialmente sobre filósofos como Platão e Aristóteles. Sua concepção de que as explicações fundamentais do universo residem em formas abstratas, e não apenas na matéria física, representou uma mudança significativa no pensamento filosófico. Essa distinção entre matéria e forma, juntamente com o papel central da matemática na compreensão da realidade, estabeleceu fundamentos essenciais para o desenvolvimento da física e da filosofia modernas
3. Heráclito de Éfeso: A Filosofia do Devir
Heráclito de Éfeso (c.500 e 460 a.C.) é reconhecido por sua profunda reflexão sobre a natureza dinâmica do universo. Apesar da escassez de seus escritos originais, suas ideias influenciaram significativamente filósofos posteriores, como Platão. Heráclito observou que tudo no mundo está em constante mudança e considerou essa mutabilidade como a essência fundamental da realidade, não uma mera ilusão. Para ele, a instabilidade era inerente ao mundo, e compreender essa dinâmica era crucial para entender a natureza das coisas.
No cerne de seu pensamento está o conceito de Logos, interpretado como um conjunto de princípios, leis naturais ou fórmulas que governam o cosmos. Heráclito acreditava que o Logos se manifestava na unidade dos opostos e na tensão equilibrada entre eles. Exemplos incluem começo e fim, dia e noite, vida e morte, quente e frio. Ele argumentava que a transformação contínua entre esses opostos impulsiona o movimento e a mudança no universo, mantendo um equilíbrio dinâmico. Heráclito introduziu o conceito do fogo como elemento primordial, simbolizando a transformação contínua. Sua célebre afirmação de que "ninguém entra no mesmo rio duas vezes" ilustra sua visão de que tudo está em fluxo constante; o rio muda a cada momento, assim como a pessoa que nele entra. Essa perspectiva suscita questões sobre o que, se é que algo, permanece constante em meio a tanta mudança.
Os poucos fragmentos remanescentes do trabalho de Heráclito continuam a inspirar reflexões e debates, revelando paralelos com conceitos modernos da física sobre a natureza dinâmica e impermanente da realidade.
4. Parmênides e a Escola Eleática: A Realidade Imutável
Parmênides de Eleia (c. 515-445 a.C.) é um dos filósofos pré-socráticos mais influentes. Nosso conhecimento sobre ele provém principalmente das discussões de suas ideias nos diálogos de Platão — "Parmênides", "Teeteto" e "Sofista" — além dos fragmentos de seu poema em verso, geralmente chamado "Sobre a Natureza". Outros pré-socráticos também referenciavam frequentemente suas ideias. Platão descreve um encontro notável entre Parmênides idoso (cerca de 65 anos), Zenão de Eleia (aproximadamente 40 anos) e um jovem Sócrates, ocorrido por volta de 450 a.C.
No poema, Parmênides narra uma jornada metafórica à morada de uma deusa, frequentemente interpretada como a Deusa da Justiça. Durante essa viagem do escuro para a luz, escoltado pelas Filhas do Sol, ele é recebido pela deusa que lhe revela três vias para a verdade. Ela afirma que duas dessas vias são falsas: a primeira é o caminho do "não ser", impossível por ser inconcebível conhecer ou falar sobre o que não existe. A segunda é a via dos mortais, que confundem ser e não ser, acreditando na realidade da mudança e da multiplicidade. A terceira via, considerada a verdadeira, sustenta que "o ser é e não pode não ser" — a realidade é única, eterna, imutável, indivisível e homogênea. Para Parmênides, não há nascimento, destruição, movimento ou mudança, pois isso implicaria transições entre o ser e o não ser, algo logicamente insustentável em sua perspectiva.
A importância dos argumentos de Parmênides reside em sua tentativa de compreender a natureza do universo através do raciocínio lógico e metafísico. Ele propõe que tudo o que pode ser pensado existe e que é absurdo supor a existência do "nada". Essa concepção leva à conclusão de que o vazio não existe, todo o espaço é preenchido pelo ser, e a mudança é uma ilusão dos sentidos. Embora hoje possamos questionar a validade de extrapolar a estrutura da linguagem para afirmações sobre a realidade do mundo, os argumentos de Parmênides continuam a exercer grande influência no campo da metafísica, especialmente nas discussões sobre a natureza última da existência e da realidade.
Em contraste com Heráclito, Parmênides de Eleia argumentou que a verdadeira realidade é imutável e eterna:
- Afirmou que o ser é uno, indivisível e imutável, e que todas as mudanças percebidas são ilusórias.
- Utilizou a lógica e a razão para defender que o não-ser (o nada) não pode existir, portanto, a mudança é impossível.
- Sua abordagem rigorosamente racional influenciou profundamente o desenvolvimento da filosofia ocidental.
5. Zenão de Eleia
Zenão de Eleia (c. 490 a.C.) foi um filósofo pré-socrático que buscou defender as ideias de Parmênides e refutar o pluralismo, usando paradoxos para argumentar que a realidade é única, indivisível e imutável. Ele argumentava que, se a realidade fosse dividida em partes, estas seriam infinitamente pequenas (sem extensão) ou infinitamente grandes, ambas possibilidades impossíveis, reforçando sua tese da unidade do ser.
Seus paradoxos sobre o movimento são os mais conhecidos, como o Curso de Corrida, onde um corredor nunca completa a prova devido à infinita divisibilidade do percurso, e Aquiles e a Tartaruga, que demonstra que Aquiles nunca alcançará a tartaruga devido ao mesmo princípio. No paradoxo da Flecha, Zenão sugere que o movimento é uma ilusão, pois, em cada instante, a flecha está fixa em uma posição específica.
As ideias de Zenão desafiaram conceitos fundamentais de pluralidade e movimento, gerando debates que continuam a influenciar filosofia e matemática. Seus argumentos destacaram as dificuldades de lidar com o infinito e a percepção da realidade, tornando-se um marco na história do pensamento ocidental.
6. Os Pluralistas: Empédocles e Anaxágoras
Empédocles (c. 490–430 a.C.) foi pioneiro ao propor uma teoria baseada em múltiplos elementos, introduzindo os quatro elementos fundamentais: fogo, água, terra e ar. Ele os considerava eternos e indestrutíveis, gerando todos os fenômenos naturais através de misturas e separações. Influenciado pela visão eleática de que o vazio era impossível, Empédocles argumentava que o movimento ocorria pela interação dos elementos. Para explicar essas transformações, ele propôs dois princípios universais: o Amor, que unia os elementos, e a Discórdia, que os separava. Em suas obras "Sobre a Natureza das Coisas" e "Purificações", Empédocles atribuiu uma dimensão moral a esses princípios, associando o Amor ao bem e a Discórdia ao mal, além de explorar a reencarnação como processo de purificação espiritual.
Anaxágoras (c. 500–428 a.C.) trouxe uma abordagem distinta ao pluralismo, introduzindo o conceito de "Mente" (Nous) como causa primordial. Ele via a Mente como uma entidade imaterial, separada do mundo físico, responsável por organizar a matéria e gerar movimento. Anaxágoras propôs que todos os objetos continham elementos de todas as outras coisas, mas em proporções diferentes, explicando assim a diversidade na natureza. Sua teoria foi inspirada por observações como a transformação de alimentos em tecido vivo, sugerindo que cada material contém traços de todos os outros. Essa visão, embora incomum, representou um avanço ao atribuir à Mente o papel de princípio organizador.
Ambos os filósofos tiveram um impacto duradouro. A teoria dos quatro elementos de Empédocles dominou a ciência ocidental até o Renascimento, integrando princípios éticos e espirituais à cosmologia. Anaxágoras, por sua vez, foi pioneiro ao propor um primeiro motor imaterial e racional, pavimentando o caminho para conceitos filosóficos e religiosos posteriores. Apesar de suas ideias inovadoras, ambos enfrentaram resistência: Empédocles por sua visão mística e Anaxágoras por rejeitar explicações divinas para fenômenos naturais, o que levou ao seu exílio de Atenas. Suas contribuições, no entanto, permanecem como alicerces essenciais para a filosofia e a ciência.
6. Os Atomistas: Uma Revolução no Pensamento Filosófico
Os atomistas Leucipo e Demócrito propuseram que tudo no universo é composto por átomos indivisíveis e imutáveis em movimento dentro de um vazio. Esses átomos se diferenciavam em tamanho e forma, formando estruturas complexas por meio de colisões. Fenômenos como percepção e pensamento eram explicados como processos mecânicos, enquanto propriedades como cor e calor dependiam da interação com os sentidos.
A teoria desafiava as explicações teleológicas e forças externas, como Amor e Discórdia, defendidas por Empédocles, propondo explicações mecânicas para os fenômenos. Apesar de enfrentar críticas por não abordar causas iniciais ou um propósito maior, a abordagem dos atomistas priorizava hipóteses testáveis e detalhadas sobre o mundo físico.
Sua influência foi significativa para a ciência moderna, ao introduzir uma investigação baseada no ceticismo racional e na busca por explicações naturais, mesmo enfrentando oposição de pensadores como Aristóteles, que preferiam teorias teleológicas. A precisão de suas conclusões, mesmo com ferramentas limitadas, é um marco na história do pensamento filosófico e científico.
Conclusão
Os filósofos pré-socráticos foram pioneiros na busca por explicações racionais sobre a natureza do universo, rompendo com narrativas míticas e propondo princípios naturais fundamentais. Suas investigações sobre o ser, a mudança, a essência das coisas e os princípios que governam a realidade lançaram as bases para a filosofia e a ciência ocidentais. Embora o termo "pré-socrático" seja impreciso e muitos de seus escritos originais tenham se perdido, seu legado é inestimável, tendo estabelecido os alicerces para a ciência e a filosofia como as conhecemos hoje.
O estudo dos pré-socráticos é fundamental para compreender as origens do pensamento racional e científico. Suas ideias anteciparam muitos conceitos que seriam desenvolvidos por Platão, Aristóteles e outros grandes pensadores gregos, além de introduzirem métodos essenciais para a investigação científica. Mesmo com limitações e contradições, suas contribuições representam os primeiros passos em direção a uma compreensão mais sistemática da realidade. Suas reflexões, ainda que fragmentadas e desafiadoras, continuam a influenciar o pensamento contemporâneo, ensinando-nos sobre a importância de questionar e buscar explicações fundamentadas para os mistérios da existência.
Referência
- BARNES, Jonathan. Early Greek Philosophy. Penguin, 1987.
- BARNES, Jonathan. The Presocratic Philosophers. Routledge, 1982.
- MCKIRAHAN, Richard. A filosofia antes de Sócrates.Paulus Editora; 1ª edição (1 novembro 2013)
- REALE, Giovanni. História da filosofia grega e romana (Vol. I): Pré-socráticos e orfismo. Edições Loyola, 2009.