A Independência do Brasil, proclamada em 7 de setembro de 1822, foi um processo complexo que envolveu diversos grupos sociais, interesses econômicos e disputas políticas. Não foi um evento isolado, mas o resultado de transformações ocorridas ao longo das primeiras décadas do século XIX. Esse processo emergiu de um longo processo que conjugou fatores internos e externos, tensões políticas, interesses econômicos e mudanças sociais. As transformações vindas do exterior redirecionaram os acontecimentos, levando a antiga colônia portuguesa a evoluir do anseio por maior autonomia para a busca da independência completa.Esse processo culminou no rompimento com Portugal e na formação de uma nação soberana, embora mantendo grande parte das estruturas sociais e econômicas do período colonial.

A chegada da Família Real portuguesa ao Brasil, em 1808, foi um ponto decisivo. Fugindo das invasões napoleônicas, Dom João, Príncipe Regente de Portugal, transferiu a corte para o Rio de Janeiro, transformando o Brasil em sede do governo português. Essa mudança trouxe consequências significativas: a abertura dos portos às "nações amigas" (especialmente a Inglaterra), a modernização administrativa e a elevação do Brasil a Reino Unido de Portugal e Algarves, em 1815.

Dom João VI and Dom Pedro I.
Dom João VI and Dom Pedro I.

Contudo, essas mudanças não eliminaram as tensões existentes. Com o retorno de Dom João VI a Portugal em 1821, as Cortes Portuguesas exigiram o restabelecimento das antigas restrições comerciais e a redução da autonomia conquistada pelo Brasil. Paralelamente, crescia a insatisfação das elites brasileiras, que rejeitavam retornar ao status colonial.

Movimentos Precursores:

A Revolução Pernambucana

A Revolução Pernambucana de 1817, conhecida também como “Revolução dos Padres”, foi um movimento anterior à Independência do Brasil. Ela surgiu a partir de ideias iluministas, do descontentamento com a elevada cobrança de impostos e do desejo de criar uma república liberal em Pernambuco. O estopim da revolta foi a morte do brigadeiro português Manoel Joaquim Barbosa de Castro, fato que fez a revolução se espalhar rapidamente pelo Recife. Os insurgentes formaram um governo provisório que proclamou a república, garantiu a liberdade de imprensa e de religião, e organizou o poder em três esferas.

PEREGRINO, José. Revolução Pernambucana, 1817.
PEREGRINO, José. Revolução Pernambucana, 1817.

Essa revolução reunia interesses diversos: enquanto as camadas populares buscavam maior igualdade, os grandes proprietários rurais reivindicavam a redução de impostos. A participação significativa de sacerdotes no movimento lhe rendeu o apelido de “revolução dos padres”. Apesar do impacto inicial, o levante durou pouco tempo. Em 20 de maio de 1817, as forças portuguesas a reprimiram, resultando na execução de seus principais líderes, como Domingos José Martins, José Luiz de Mendonça e Domingos Teotônio Jorge.

Revolução do Porto

A Revolução Liberal do Porto, deflagrada em 1820, foi um marco significativo nos eventos que levariam à independência do Brasil. Esse movimento surgiu em Portugal como uma reação à prolongada ausência de Dom João VI, que desde 1808 governava o reino a partir do Rio de Janeiro, para onde a corte portuguesa havia se refugiado durante as invasões napoleônicas. Durante esse período, o Brasil foi elevado à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves, uma mudança que desestabilizou o sistema colonial tradicional e gerou tensões políticas e econômicas em ambos os lados do Atlântico.

Organizado pelo grupo Sinédrio, desde 1818, o movimento revolucionário tinha como objetivo enfraquecer a influência britânica em Portugal e restabelecer o controle direto sobre as colônias. Em 24 de agosto de 1820, a insurreição começou na cidade do Porto, liderada por militares e com amplo apoio da burguesia e da nobreza. Os revolucionários formaram a Junta Provisória do Governo Supremo do Reino e reivindicaram o retorno imediato do rei a Portugal, além da criação de uma constituição que limitasse os poderes da monarquia e promovesse uma organização política mais representativa.

PINHEIRO, Columbano Bordalo. Pintura representando A Revolução do Porto: Manuel Fernandes Tomás, Manuel Borges Carneiro e Joaquim António de Aguiar para o Palácio de São Benedito em Lisboa, Portugal.
PINHEIRO, Columbano Bordalo. Pintura representando A Revolução do Porto: Manuel Fernandes Tomás, Manuel Borges Carneiro e Joaquim António de Aguiar para o Palácio de São Benedito em Lisboa, Portugal.

Em janeiro de 1821, as Cortes Gerais foram convocadas em Lisboa, com o objetivo de redigir uma constituição que consolidasse os interesses da burguesia portuguesa e restaurasse o controle metropolitano sobre o Brasil. Essa tentativa de reverter as concessões de autonomia e retornar ao antigo sistema colonial encontrou forte resistência entre as elites brasileiras. Enquanto uma “facção portuguesa” no Rio de Janeiro — composta por altos oficiais militares, comerciantes e burocratas ligados à metrópole — apoiava a centralização em Lisboa, o “partido brasileiro” — integrado por grandes proprietários rurais, magistrados e comerciantes com vínculos locais — se opunha a essa política, defendendo a preservação da autonomia conquistada.

A pressão revolucionária em Portugal levou Dom João VI a decidir pelo retorno à metrópole em 1821, acompanhado de um contingente de cerca de 4 mil pessoas. Ele deixou no Brasil seu filho, Dom Pedro, como príncipe regente, na tentativa de manter o vínculo entre as duas partes do império. Contudo, essa decisão teve um efeito contrário: ao invés de reforçar o domínio português, fortaleceu os movimentos locais pela independência.

As Cortes portuguesas, ao insistirem em medidas centralizadoras, como a transferência de repartições públicas para Lisboa e a exigência do retorno de Dom Pedro, aprofundaram o descontentamento nas províncias brasileiras. A crescente resistência entre os defensores da autonomia, que incluía membros do “partido brasileiro” e parte da elite econômica, pavimentou o caminho para a ruptura definitiva entre Brasil e Portugal.

O Avanço das Ideias de Autonomia e Independência

Após a partida de Dom João VI para Portugal, as eleições para as Cortes trouxeram uma representação significativa de brasileiros, muitos dos quais tinham histórico de envolvimento em movimentos contrários ao domínio português. No entanto, antes mesmo de sua chegada a Lisboa, as Cortes majoritariamente portuguesas tomaram decisões que desagradaram profundamente ao Brasil, como a revogação de concessões de autonomia, o envio de ordens diretas às províncias e a revisão de acordos comerciais benéficos ao território brasileiro. Essas medidas intensificaram as tensões e evidenciaram o desprezo das lideranças portuguesas pelos interesses locais.

A situação se agravou com a exigência de retorno de Dom Pedro a Portugal e o tratamento desrespeitoso que alguns deputados portugueses dispensaram ao Brasil, retratado como um território atrasado e subordinado. Em resposta, o “partido brasileiro” se mobilizou para garantir a permanência do príncipe regente. No dia 9 de janeiro de 1822, no episódio conhecido como “Dia do Fico”, Dom Pedro anunciou que permaneceria no Brasil, com o apoio de milhares de assinaturas. Essa decisão marcou o início de um processo que, embora inicialmente mantivesse a ideia de união com Portugal, já indicava a possibilidade de independência.

SÁ,Simplício Rodrigues.Pedro I do Brasil,1830.
SÁ,Simplício Rodrigues.Pedro I do Brasil,1830.

Nos meses seguintes, medidas significativas reforçaram a posição de Dom Pedro. Tropas portuguesas que se recusaram a reconhecer sua autoridade foram expulsas, forças militares brasileiras começaram a se formar, e um ministério liderado por José Bonifácio foi estruturado para consolidar o poder do regente e reduzir a influência de Lisboa. Em maio de 1822, o decreto “Cumpra-se” estabeleceu que nenhuma lei portuguesa teria validade no Brasil sem a aprovação de Dom Pedro, enquanto a convocação de uma Assembleia Constituinte em junho reafirmava o desejo de construir uma estrutura política própria.

A pressão de Lisboa continuava, culminando em novas ordens para o retorno de Dom Pedro. Em agosto de 1822, o regente respondeu com um manifesto às “nações amigas”, deixando clara sua ruptura política com Portugal.

Proclamação da Independência

Em 7 de setembro de 1822, às margens do Riacho do Ipiranga, próximo a São Paulo, Dom Pedro recebeu as últimas notícias e exigências vindas de Portugal. Indignado, decidiu romper de vez com a metrópole, proclamando: “Independência ou Morte!”. Esse ato simbólico, conhecido como o “Grito do Ipiranga”, marcou o rompimento político entre Brasil e Portugal.

AMÉRICO, Pedro.Independência ou Morte,1888.
AMÉRICO, Pedro.Independência ou Morte,1888.

A independência, porém, não se consolidou de imediato. Houve resistência em diversas províncias, e a unificação do território brasileiro sob o novo governo imperial exigiu negociações, alianças e até mesmo ações militares.

No dia 12 de outubro de 1822, no Campo de Santana, no centro do Rio de Janeiro, uma grande multidão se reuniu para saudar D. Pedro. E em meio à euforia popular, o então príncipe regente foi proclamado Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil, marcando um momento simbólico para o país recém-independente.

Após a proclamação da Independência, consolidar sua autoridade e garantir a legitimidade de seu governo tornou-se uma prioridade para D. Pedro. No dia em que completou 24 anos, ele assumiu formalmente os títulos imperiais em uma celebração pública repleta de aclamações populares, disparos cerimoniais de infantaria e salvas de artilharia.

Outro marco ocorreu em 1º de dezembro, quando D. Pedro foi coroado como o primeiro imperador do Brasil. A cerimônia, carregada de elementos de pompa e tradição absolutista, representou um reforço simbólico de sua posição de liderança, ao mesmo tempo em que destacava o desafio urgente de organizar politicamente o Estado recém-formado.

A coroação, imortalizada em obras como as de Jean-Baptiste Debret, foi muito mais que um evento solene; ela marcou o início de um período de intensos debates e conflitos sobre o futuro político do Brasil. Questões como o sistema de governo (monarquia ou república), o modelo administrativo (unitarismo ou federalismo) e a estrutura de poder (constitucionalismo ou absolutismo) polarizavam opiniões e interesses.

Esse cenário era agravado por desconfianças e a influência de grupos políticos, como o Partido Português, que buscavam manter privilégios. A urgência em definir os rumos do país levou à convocação de uma Assembleia Constituinte ainda em junho de 1822, uma medida estratégica para resistir às tentativas das Cortes portuguesas de recolonizar o Brasil e reverter a

A coroação do Imperador dom Pedro I do Brasil por Jean-Baptiste Debret ,1822.
A coroação do Imperador dom Pedro I do Brasil por Jean-Baptiste Debret ,1822.

Contudo, as forças políticas que haviam conduzido o processo de emancipação, desejando manter suas posições já conquistadas, agora divergiam: império ou república? Unitarismo ou federalismo? Constitucionalismo ou absolutismo?

Foi nesse clima de desavenças, pontuadas por desconfianças e interferências de outros fatores – como a presença do chamado Partido Português –, que se impunha organizar politicamente o novo Estado. Uma Assembleia Constituinte já havia sido convocada em junho de 1822, como forma de resistência à pressão das Cortes portuguesas no sentido de recolonizar o Brasil.

Consolidação da Independência do Brasil

No processo de consolidação da independência do Brasil, conflitos armados foram inevitáveis, exigindo esforços militares significativos para enfrentar as tropas portuguesas ainda estacionadas no território desde a chegada da corte em 1808. Para organizar as forças brasileiras, comandantes estrangeiros desempenharam papéis cruciais. Entre eles, destacou-se o oficial francês Pedro Labatut, nomeado pelo príncipe regente para liderar as tropas leais à causa brasileira. Apesar de sua contribuição inicial, Labatut foi substituído pelo general brasileiro José Joaquim de Lima e Silva após um motim em maio de 1823. Outra figura relevante foi o britânico Lorde Cochrane, um ex-aristocrata da Marinha Real que, após envolvimentos controversos na Inglaterra, se tornou um comandante decisivo para a independência de países como Chile e Peru antes de ser contratado pelo imperador brasileiro.

Os combates mais intensos ocorreram no sul do país e na Bahia. Na Província Cisplatina, atual Uruguai, as forças portuguesas resistiram até novembro de 1823, quando finalmente se retiraram, deixando a região como um futuro campo de disputa entre brasileiros e movimentos locais pela independência uruguaia. Na Bahia, a luta foi marcada pela resistência liderada pelo coronel português Madeira de Melo, que recebeu reforços tanto de Lisboa quanto do Rio de Janeiro. No entanto, as tropas brasileiras, apoiadas por senhores de engenho do Recôncavo e pela frota comandada por Lorde Cochrane, conseguiram forçar a retirada portuguesa em 2 de julho de 1823, data celebrada na Bahia como um marco tão importante quanto o 7 de setembro de 1822.

No Norte do Brasil, o papel de Cochrane também foi significativo. Ele liderou campanhas militares no Maranhão e no Pará, regiões que mantinham vínculos comerciais e políticos mais próximos de Portugal do que do restante do Brasil. Suas ações foram essenciais para integrar essas províncias ao território brasileiro independente, consolidando a autoridade do novo império e reduzindo os focos de resistência pró-portuguesa.

No plano internacional, o reconhecimento da independência brasileira foi gradativo. Em 1824, os Estados Unidos formalizaram sua posição, enquanto a Inglaterra, mesmo demonstrando interesse em manter suas vantagens comerciais, retardou o reconhecimento formal devido à exigência de medidas contra o tráfico de escravizados. Ainda assim, os britânicos atuaram como mediadores entre o Brasil e Portugal, facilitando o acordo final em 1825, que incluiu o pagamento de uma indenização à metrópole, consolidando a autonomia política do Brasil no cenário global.

Conclusão

A independência foi um passo fundamental para a formação do Estado brasileiro. O país deixou de ser colônia e tornou-se uma monarquia constitucional, sob o governo de Dom Pedro I. Essa nova fase permitiu o início da construção de instituições nacionais, a definição de fronteiras e o estabelecimento de relações diplomáticas próprias, embora ainda dependente economicamente, principalmente da Inglaterra.

Resumo: Independência do Brasil

  1. ANTECEDENTES
    • Chegada da Família Real (1808)
      • Fuga das invasões napoleônicas
      • Abertura dos portos
      • Brasil elevado a Reino Unido de Portugal e Algarves (1815)
  2. MOVIMENTOS PRECURSORES
    • Revolução Pernambucana (1817)
      • Movimento republicano e liberal
      • Reprimida por forças portuguesas
    • Revolução do Porto (1820)
      • Exigência do retorno de D. João VI
      • Tentativa de recolonização
  3. PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA
    • Dia do Fico (9/janeiro/1822)
      • D. Pedro decide permanecer no Brasil
    • Proclamação (7/setembro/1822)
      • Grito do Ipiranga
    • Coroação (1/dezembro/1822)
      • D. Pedro I torna-se imperador
  4. CONSOLIDAÇÃO
    • Conflitos Militares
      • Bahia
      • Sul do país
      • Norte do Brasil
    • Reconhecimento Internacional
      • EUA (1824)
      • Acordo com Portugal (1825)

    Referências:

    • CARVALHO, José Murilo de. (org.) Nação e cidadania no Império:novos horizontes. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2007.
    • CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem e o Teatro das Sombras: a política imperial e a construção da ordem. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2003.
    • FAUSTO, Boris.História do Brasil. 10 ed. São Paulo: Edusp, 2002.
    • NEVES, Guilherme Pereira das. Dom Joao VI: Verbete. In: VAINFAS,Ronaldo (dir.). Dicionário do Brasil Imperial (1822-1889).Rio de Janeiro:Objetiva, 2002, p. 189-191.
    • PRADO JR, Caio.Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo:Brasiliense, 1973.
    • PRADO JR., Caio. Evolução Política do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1999.
    • BIBLIOTECA NACIONAL. https://bndigital.bn.gov.br/exposicoes/a-opera-da-independencia-uma-exposicao-em-dois-atos-e-dez-cenas/segundo-ato-o-pavilhao/