No século V a.C., Atenas tornou-se o epicentro de um florescimento intelectual sem precedentes. Nesse cenário, emergiram dois grupos de pensadores que moldariam profundamente o pensamento ocidental: os sofistas e Sócrates. Os sofistas, mestres itinerantes, ensinavam retórica e argumentação com o objetivo de promover o sucesso pessoal e político. Sócrates, por sua vez, buscava uma compreensão mais profunda da verdade e da virtude por meio do diálogo filosófico.

A seguir, iremos explorar as semelhanças e diferenças entre Sócrates e os sofistas, bem como o impacto de suas ideias na filosofia grega.

1. Sofistas: Mestres da Retórica e do Relativismo

Os sofistas desempenharam um papel essencial na formação cívica e intelectual da democracia ateniense, apesar das informações limitadas e frequentemente provenientes de críticas de seus opositores. Inicialmente, o termo "sofista" derivava de sophos (sábio) sem conotação negativa, mas filósofos como Platão e Aristóteles associaram-nos a práticas manipuladoras, uma percepção que perdurou até o século XIX.

Com a democratização de Atenas, a participação ativa na vida pública exigiu habilidades cívicas como a retórica e a oratória. Os sofistas atenderam a essa demanda ensinando persuasão a jovens das classes emergentes de comerciantes e artesãos, preparando-os para o sucesso político e os debates na Ágora. Sua capacidade de ensinar argumentação eficaz tornou-os altamente procurados pelas famílias abastadas, embora a aristocracia tradicional os criticasse severamente, acreditando que virtudes cívicas eram inatas e não ensináveis.

ROSA, Salvator. Démocrite et Protagoras,1664.
ROSA, Salvator. Démocrite et Protagoras,1664.

Além de retórica, os sofistas introduziram o relativismo subjetivo, o ceticismo absoluto e o convencionalismo, desafiando as concepções tradicionais de verdade e moralidade. Eles defendiam que a verdade era relativa e dependia do contexto cultural, enquanto normas e valores eram construções humanas sujeitas a mudanças. Essa abordagem pragmática focava na eficácia persuasiva dos argumentos, independentemente de sua validade intrínseca, promovendo o debate público como ferramenta essencial para a democracia.

Apesar das críticas, especialmente de Sócrates e Platão, os sofistas foram fundamentais na democratização do discurso político e na valorização do debate público. Figuras como Protágoras e Górgias destacaram-se por suas habilidades oratórias e por desafiar conceitos estabelecidos, influenciando profundamente a educação e a filosofia gregas. A sofística, ao enfatizar a retórica e o relativismo, deixou um legado duradouro que continua a influenciar o pensamento ocidental contemporâneo.

O Relativismo Sofista

Os sofistas são reconhecidos por sua abordagem relativista ao conhecimento e à verdade, influenciando significativamente a educação e a política na Atenas democrática. Apesar das informações limitadas e frequentemente provenientes de críticas de seus opositores, como Platão e Aristóteles, a contribuição dos sofistas para o pensamento filosófico e educacional é inegável.

Uma das principais características do pensamento sofista é o relativismo. Protágoras de Abdera, por exemplo, sintetizou essa visão ao afirmar que “o homem é a medida de todas as coisas”, sugerindo que a verdade é subjetiva e depende da percepção individual. Para os sofistas, não existe uma verdade universal e imutável; ao invés disso, a verdade varia conforme o contexto cultural e social. Essa perspectiva defendia que normas e valores são construções humanas, adaptáveis e suscetíveis a mudanças, refletindo a diversidade de costumes observada nos portos da Jônia.

Os sofistas também adotaram uma postura cética em relação à possibilidade de alcançar uma verdade absoluta. Górgias, um dos mais notáveis sofistas, argumentava que “nada existe; se algo existe, não pode ser conhecido; se pode ser conhecido, não pode ser comunicado”. Esse ceticismo reforçava a ideia de que a verdade está além da capacidade humana de ser completamente compreendida ou transmitida. Como resultado, os sofistas enfatizavam a importância do debate e da argumentação como ferramentas essenciais para a interação social e a aprendizagem contínua.

Embora severamente criticados pela aristocracia tradicional, que via a cidadania e as virtudes cívicas como inatas e não ensináveis, os sofistas desempenharam um papel crucial na democratização do discurso político. Sua ênfase na persuasão e no relativismo moral e epistemológico transformou a educação ateniense, promovendo uma abordagem mais flexível e adaptável ao conhecimento e aos valores. Figuras como Protágoras e Górgias destacaram-se por desafiar concepções tradicionais, contribuindo para um ambiente intelectual dinâmico e pluralista.

O relativismo sofista, alicerçado no subjetivismo da verdade, no ceticismo quanto ao conhecimento absoluto e no convencionismo das normas sociais, desafiou as concepções tradicionais de verdade e moralidade na Grécia Antiga. Apesar das críticas recebidas, os sofistas foram fundamentais na formação de cidadãos capazes de participar ativamente na vida pública, valorizando o debate e a argumentação como pilares da democracia. Sua contribuição para a educação e a filosofia permanece significativa, destacando a importância da retórica e do pensamento crítico no desenvolvimento intelectual e cívico.

2. Sócrates

Sócrates, nascido em Atenas por volta de 470 a.C., era filho do escultor Sofronisco e da parteira Fenarete. Educado em geometria e astronomia por Arquelau, foi também influenciado pela cosmologia de Anaxágoras. Dedicou-se inteiramente a Atenas, participando da Guerra do Peloponeso e de julgamentos importantes, sempre defendendo a obediência às leis da cidade. Condenado à morte aos 70 anos, sua influência perdura através dos relatos de discípulos e contemporâneos como Platão, Xenofonte, Aristófanes e Aristóteles.

A vocação filosófica de Sócrates nasceu de uma experiência no Oráculo de Delfos, onde recebeu orientação de seu daímon — uma voz interior que o guiava. Adotando a máxima "Conhece-te a ti mesmo" como missão de vida, viveu modestamente ao lado de sua esposa Xantipa e seus filhos, dedicando-se ao diálogo e à busca incessante pela verdade. Seus diálogos, conduzidos em espaços públicos e privados, visavam estimular a reflexão crítica sobre si mesmo e os valores que orientavam a vida. O propósito de sua filosofia era fomentar a autonomia ética, capacitando o indivíduo a criar suas próprias leis e normas morais através da razão. Assim, a busca pela verdade não era um mero exercício abstrato, mas uma prática com impacto direto na conduta humana e na organização social.

MONSIAU, Nicolas-André. Aspásia conversando com Sócrates e Alcibíades,1801.
MONSIAU, Nicolas-André. Aspásia conversando com Sócrates e Alcibíades,1801.

Sócrates acreditava que os conceitos universais já estavam presentes no homem, aguardando apenas para serem despertados. Esse processo de trazer à luz o conhecimento inato era chamado de maiêutica, ou "parto das ideias" — uma analogia com a profissão de sua mãe, que ajudava mulheres a darem à luz.

Sócrates não deixou escritos próprios, e seu pensamento é conhecido principalmente através das obras de Platão, Xenofonte, Aristófanes e Aristóteles. Essas fontes apresentam interpretações divergentes, criando o "problema socrático" de identificar sua verdadeira personalidade e ideias. Xenofonte o retrata como justo e patriota, enquanto Aristófanes o caricaturiza como um sofista enganador. Platão, seu discípulo mais influente, oferece um retrato detalhado que, eventualmente, mescla suas próprias ideias com as de Sócrates, contribuindo para uma imagem complexa do filósofo.

Ao contrário dos sofistas, que cobravam por seus ensinamentos e focavam na persuasão prática, Sócrates não exigia pagamento e utilizava o método dialético para estimular o autoconhecimento e a busca pela verdade.

O Método Socrático e Suas Implicações Filosóficas

O diálogo socrático não busca fornecer respostas imediatas, mas instaurar um processo de questionamento que leve o interlocutor a reconhecer sua própria ignorância e, consequentemente, a buscar a verdade. Sócrates rejeitava opiniões superficiais e individuais, defendendo que o conhecimento genuíno só pode ser alcançado ao compreender a essência universal das coisas. Para ele, a razão humana, sendo inerentemente universal, conduz aqueles que a utilizam adequadamente aos mesmos resultados. Assim, o diálogo torna-se a ferramenta central para revelar esse conhecimento, permitindo que o indivíduo alcance uma verdade única que orienta uma vida virtuosa e justa.

Sócrates acreditava que a virtude é conhecimento e que ninguém faz o mal voluntariamente; o erro é resultado da ignorância. A máxima "conhece-te a ti mesmo" era fundamental para Sócrates, vista como um caminho para a sabedoria e para a vida virtuosa. Esse autoconhecimento promove uma reflexão contínua sobre as próprias ações e valores.

Sócrates criticava os sofistas por seu relativismo e por ensinarem habilidades retóricas sem se preocupar com a verdade ou a moralidade. Ele argumentava que a persuasão sem a busca pela verdade compromete a integridade ética do discurso.

O método socrático, portanto, não oferece respostas prontas, mas estimula um processo de questionamento que leva o interlocutor a reconhecer sua própria ignorância e, assim, abrir-se à busca pela verdade. Sócrates rejeitava opiniões superficiais e particulares, sustentando que o conhecimento verdadeiro só pode ser alcançado ao se compreender a essência universal das coisas. Para ele, a razão humana, sendo universal, conduz todos que a exercitam corretamente aos mesmos resultados. Desse modo, o diálogo se estabelece como a ferramenta central para manifestar esse conhecimento, permitindo que o ser humano alcance a verdade única que guia uma vida virtuosa e justa.

Conhecimento e Virtude

Sócrates postulava que a virtude é equivalente ao conhecimento, sustentando que ninguém age de forma maliciosa voluntariamente; os erros são consequência da ignorância. Essa visão implica que, ao adquirir conhecimento, o indivíduo naturalmente adotará comportamentos virtuosos.

A relação entre virtude e conhecimento pode ser ilustrada pela analogia com habilidades práticas. Por exemplo, a virtude do sapateiro reside no entendimento do propósito dos sapatos e na competência para produzi-los adequadamente. Nesse contexto, "virtude" não se refere a um atributo moral, mas a um tipo de conhecimento específico que envolve a execução de uma tarefa definida e a realização de um objetivo claro.

BACCIARELLI, Marcello. Alcibiades Sendo Ensinado Por Socrates, 1776-77.
BACCIARELLI, Marcello. Alcibiades Sendo Ensinado Por Socrates, 1776-77.

De maneira semelhante, ao discutir a virtude de viver como ser humano, como faziam os sofistas, é necessário compreender a função ou o propósito da vida humana, evidenciando a necessidade de definições precisas para conceituar a virtude.

Sócrates não respondia diretamente à questão do propósito da vida humana. Em vez disso, utilizava o método do elenchus para conscientizar seus interlocutores sobre a necessidade dessa busca. Esse método envolve duas etapas principais: primeiro, o reconhecimento da própria ignorância; segundo, a coleta de exemplos onde o conceito relevante se aplica — como o bem, a beleza ou a justiça — e a identificação de uma qualidade comum que constitui a essência universal do conceito.

Por exemplo, ao formular uma teoria da arte, Sócrates começaria admitindo seu desconhecimento sobre o que é arte. Em seguida, analisaria obras amplamente reconhecidas como exemplares para discernir a qualidade essencial que todas compartilham, conduzindo ao entendimento da essência ou natureza real da arte.

Contudo, Sócrates acreditava que esse processo não era suficiente. Para ele, o conhecimento verdadeiro incluía tanto a capacidade de fazer distinções e compreender a verdadeira natureza das coisas quanto a habilidade de agir em conformidade com essa compreensão. Essas duas dimensões são inseparáveis: ver o bem e fazer o bem são necessários e suficientes para o conhecimento do bem. Conhecer o propósito e o bem para os seres humanos e agir de acordo com esse propósito constituem uma única realidade. Assim, "ninguém erra voluntariamente" — ninguém escolhe fazer o que sabe não ser bom. Quando alguém age de forma incorreta, isso resulta da ignorância, um erro intelectual, não uma falha moral. A pessoa acredita estar agindo corretamente; se soubesse que não estava, não o faria.

Portanto, a única maneira de ajudar os outros é promover o conhecimento do que é bom para eles. Esse conhecimento é alcançado por meio da dialética, um método de investigar "a verdadeira natureza das coisas".

3. Sofistas X Sócrates

A filosofia de Sócrates e a prática dos sofistas apresentam diferenças significativas em suas perspectivas sobre educação, verdade, métodos e finalidades. Essas distinções refletem abordagens opostas em relação ao papel da filosofia na vida pública e no desenvolvimento humano.

a. Objetivo e Natureza do Conhecimento

  • Sofistas: Eram professores especializados em política, retórica e virtude prática. Seu foco era preparar os indivíduos para alcançar sucesso nos debates e na vida política, ensinando técnicas persuasivas. Para os sofistas, a "verdade" era relativa, moldada por contextos sociais e pela capacidade argumentativa. O objetivo principal era o pragmatismo e a eficácia, não a busca por princípios éticos absolutos.
  • Sócrates: Contrariamente, Sócrates buscava a essência das coisas e acreditava na existência de verdades universais, imutáveis e acessíveis pela razão. Ele via o conhecimento como um fim em si mesmo e um caminho para a virtude, rejeitando o relativismo e a superficialidade do discurso sofista.

b. Método de Ensino

  • Sofistas: Utilizavam monólogos e técnicas retóricas para transmitir um conhecimento estruturado e previamente preparado. Suas aulas eram direcionadas a resultados práticos e imediatos, e eles cobravam por seus ensinamentos, considerando o conhecimento uma mercadoria.
  • Sócrates: Adotava o diálogo como método, desenvolvendo o que ficou conhecido como o método socrático. Ele fazia perguntas instigantes para levar o interlocutor a reconhecer sua ignorância e, a partir disso, buscar a verdade por conta própria. Sócrates não transmitia um saber pronto, mas ajudava a despertar o conhecimento latente no indivíduo. Além disso, ele rejeitava cobrar por sua atividade, considerando o saber um direito universal.

c. Concepção de Verdade

  • Sofistas: Defendiam o relativismo, segundo o qual a verdade dependia do contexto cultural ou da habilidade de argumentação. Para eles, o que era considerado "verdadeiro" ou "justo" variava de acordo com convenções sociais e interesses individuais.
  • Sócrates: Rejeitava o relativismo e buscava conceitos universais e atemporais. Para ele, a verdade não era moldável ou dependente de circunstâncias externas, mas sim acessível através do raciocínio crítico e da reflexão ética. Sua investigação visava ultrapassar a opinião superficial (doxa) e alcançar o conhecimento verdadeiro (epistéme).

d. Finalidade da Filosofia

  • Sofistas: Consideravam a filosofia uma ferramenta prática para o sucesso pessoal e social, focada em resultados políticos e materiais. O importante era persuadir, independentemente da validade ou moralidade do argumento apresentado.
  • Sócrates: Via a filosofia como um meio de promover a virtude e o bem-estar moral. Para ele, a filosofia deveria transformar o indivíduo e a sociedade, conduzindo-os à justiça e à harmonia. A busca pela verdade e pela ética era essencial, e a filosofia não podia ser reduzida a um instrumento de interesse pessoal.

e. Relação com a Educação

  • Sofistas: Atuavam como professores itinerantes e cobravam por seus serviços, tornando seu ensino acessível principalmente às elites. Para eles, o saber era um produto que podia ser comercializado.
  • Sócrates: Considerava a educação um processo de autodescoberta e colaborativo, baseado no diálogo e na reflexão. Ele acreditava que o conhecimento não deveria ser restrito a uma elite, mas sim gratuito e acessível a todos.

Conclusão

Os sofistas e Sócrates representavam abordagens contrastantes na filosofia grega. Enquanto os sofistas abraçavam o pragmatismo e o relativismo, focando na persuasão e no sucesso individual, Sócrates buscava princípios universais e atemporais, vendo a filosofia como um caminho para a virtude, a autotransformação e a justiça. Essas diferenças fundamentais sobre verdade, ética e propósito do conhecimento continuam a ressoar na filosofia contemporânea.

A interação entre Sócrates e os sofistas marcou um momento crucial na filosofia grega, confrontando diferentes concepções de conhecimento, verdade e educação. Os sofistas enfatizavam a importância da habilidade retórica, enquanto Sócrates propunha uma reflexão profunda sobre a virtude e a natureza humana. Esse diálogo entre perspectivas opostas não apenas enriqueceu o pensamento filosófico da época, mas continua a inspirar debates atuais sobre ética, educação e a busca pelo conhecimento.

Referências

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  • CASSIN, Barbara. O efeito sofístico. Paulo Pinheiro. São Paulo: Editora 34, 2005.
  • DUHOT, Jean-Jöel. Sócrates ou o despertar da consciência. São Paulo: Loyola, 2004.
  • GRIMALDI, Nicolas. Sócrates, o feiticeiro. São Paulo: Loyola, 2006.
  • GUTHRIE, W. K. C. Os sofistas. São Paulo: Paulus, 1995
  • ROMEYER-DHERBEY, G. Os sofistas. Lisboa: Edições 70, 1986.