Sócrates (469-399 a.C.) é considerado o pai da filosofia ocidental, apesar de seus predecessores gregos. Sua influência deve-se principalmente à sua relação com Platão, cujas obras preservaram e compararam os ensinamentos socráticos. A atitude filosófica de Sócrates, caracterizada por reflexão imparcial, coragem moral e dedicação ao ensino, solidificou sua reputação. Sua serenidade ao enfrentar a morte é um exemplo marcante dessas qualidades.

Como pensador independente que não cobrava por seus ensinamentos, Sócrates atraía mentes brilhantes e comprometidas. Sua filosofia de clareza ganhou respeito generalizado, influenciando diretamente Platão e Aristóteles, cujas ideias se propagaram amplamente.

Durante a Idade Média, com a tradução das obras de Aristóteles por Avicena, a tríade Sócrates-Platão-Aristóteles ganhou destaque na Igreja. O Renascimento redescobriu esses pensadores, cujas ideias racionais e práticas moldaram instituições ocidentais. A influência de Sócrates persiste na filosofia moderna, com sua busca por clareza no pensamento e na linguagem, e sua preferência por argumentos lógicos baseados na experiência, que fundamentou o método indutivo.

MONSIAUX, Nicolas.The Debate of Socrates and Aspasia, 1801.
MONSIAUX, Nicolas.The Debate of Socrates and Aspasia, 1801.

O método socrático de investigação, conhecido como "ελενκο" (elenchus) ou refutação, é central para sua inovação filosófica e educacional. Este diálogo de perguntas e respostas visa identificar inconsistências lógicas, levando à rejeição de teses infundadas. Esta abordagem dialógica continua relevante para filósofos e educadores, sendo fundamental para o consenso no pensamento filosófico e na prática educativa. Portanto, o conhecimento do pensamento socrático é essencial na formação de educadores, servindo como base filosófica sólida.

1. Biografia

Pouco se sabe sobre a infância de Sócrates, mas acredita-se que tenha recebido uma educação tradicional ateniense, dado seu profundo conhecimento posterior. Nascido em Atenas, era filho do escultor Sofronisco e da parteira Fenareta. Na juventude, estudou com Arquelau, interessando-se pelas teorias científicas de Anaxágoras. Contudo, eventualmente abandonou as investigações sobre o mundo físico para dedicar-se ao estudo do desenvolvimento moral e ético.

Durante a Guerra do Peloponeso, Sócrates serviu como soldado hoplita, participando de várias campanhas militares e demonstrando bravura nas batalhas de Potideia, Délio e Anfípolis. Em Potideia, acredita-se que tenha salvado a vida do general ateniense Alcibíades. Após a guerra, envolveu-se brevemente na turbulência política de Atenas, mas logo se retirou da vida pública. Além de sua atividade filosófica, Sócrates trabalhou ocasionalmente como cortador de pedras e escultor, completando obras como "Hermes" e "As Três Graças". Casou-se com Xantipa, com quem teve três filhos. Relatos sugerem que Xantipa ressentia o fato de Sócrates não cobrar por seus ensinamentos.

Bacciarelli, Marcello. Alcibiades sendo ensinado por Socrates, 1776-77.
Bacciarelli, Marcello. Alcibiades sendo ensinado por Socrates, 1776-77.

Conhecido por seu estilo de vida simples e por passar grande parte do tempo discutindo ideias nas ágoras e locais públicos de Atenas, Sócrates dedicou-se integralmente à filosofia após herdar uma modesta fortuna de seu pai. Não deixou obras escritas; todo o conhecimento sobre suas ideias provém dos relatos de seus discípulos, especialmente Platão — que o retrata como personagem central em muitos de seus diálogos — e Xenofonte, que oferece perspectivas complementares sobre sua vida e ensinamentos.

Discípulos Notáveis

  • Platão: O mais célebre discípulo de Sócrates, fundou a Academia de Atenas e registrou muitos dos diálogos e ensinamentos de seu mestre.
  • Xenofonte: Historiador e filósofo que documentou aspectos da vida e filosofia de Sócrates.
  • Antístenes: Fundador da escola cínica, inspirado pelos ensinamentos socráticos sobre virtude e autossuficiência.
  • Arístipo de Cirene: Fundador da escola cirenaica, que defendia o hedonismo como princípio ético.
  • Alcibíades: Militar e político ateniense, admirador de Sócrates, apesar de sua vida controversa.

Principais Ideias e Método Filosófico

  • Método Socrático (Dialética): Sócrates desenvolveu um método de ensino baseado em perguntas e respostas, estimulando o pensamento crítico e levando seus interlocutores a examinarem profundamente suas próprias crenças. Esse método visava revelar inconsistências e promover a busca pelo conhecimento verdadeiro.
  • Ética do Conhecimento: Acreditava que a virtude está intrinsecamente ligada ao conhecimento e que ninguém comete o mal deliberadamente; ações erradas resultam da ignorância. Portanto, ao adquirir conhecimento, as pessoas naturalmente agiriam de forma correta.
  • Crítica aos Sofistas: Diferentemente dos sofistas, que ensinavam retórica visando ao sucesso pessoal, Sócrates buscava a verdade absoluta e o bem comum, priorizando a ética e a moralidade sobre a persuasão e o relativismo.

Em 399 a.C., Sócrates foi acusado de corromper a juventude ateniense e de não acreditar nos deuses da cidade, introduzindo novas divindades. Levado a julgamento, foi condenado à morte por envenenamento com cicuta. Seus últimos dias são narrados nos diálogos de Platão, como "Apologia", "Críton" e "Fédon", onde Sócrates demonstra serenidade e firmeza em seus princípios, aceitando a sentença sem tentar fugir de Atenas.

2. O Método Dialético Socrático

Sócrates dedicou grande parte de sua vida ao desenvolvimento de um método filosófico que buscava a verdade por meio do diálogo e da reflexão. Conhecido como método dialético ou método socrático, essa abordagem envolvia questionamentos profundos e sistemáticos, incentivando seus interlocutores a examinar e redefinir suas próprias crenças e ideias.

Em vez de fornecer respostas diretas, Sócrates indicava o caminho e auxiliava o interlocutor a percorrê-lo, mas a jornada em si dependia do raciocínio do próprio indivíduo. Como se diz, ele "ensinava a pescar, mas não entregava o peixe". Esse método divide-se em dois momentos: a ironia e a maiêutica.

A ironia socrática não é mero deboche ou desrespeito, embora algumas passagens dos diálogos, como na Apologia de Sócrates de Platão, possam sugerir isso. Na verdade, é uma estratégia de refutação que enfraquece preconceitos e opiniões infundadas, desestabilizando as certezas superficiais do interlocutor. A maiêutica, ou "parto das ideias", ocorre quando o interlocutor reconhece as contradições em suas crenças e percebe que suas opiniões não são verdades absolutas, mas percepções limitadas. Esse reconhecimento permite que ele alcance conceitos mais universais e sólidos, aproximando-se da verdade.

Características Principais:

  • Interrogação Sistemática: Sócrates utilizava perguntas estratégicas para guiar a discussão. Em vez de fornecer respostas prontas, ele estimulava o pensamento crítico, levando seus interlocutores a descobrir inconsistências em seus próprios argumentos.
  • Ironia Socrática: Ao fingir ignorância sobre o assunto em questão, Sócrates adotava uma postura humilde. Isso encorajava seus interlocutores a explicar detalhadamente seus pontos de vista, revelando falhas e promovendo uma compreensão mais profunda.
  • Busca pela Definição Precisa: Uma etapa crucial do método era estabelecer definições claras dos conceitos discutidos. Sócrates acreditava que compreender a essência de uma ideia era fundamental para o conhecimento verdadeiro.
  • Refutação (Elenchos): Através do diálogo, Sócrates frequentemente conduzia seus interlocutores a uma contradição lógica, demonstrando que suas suposições iniciais eram inadequadas ou incompletas.

Objetivos do Método:

  • Autoconhecimento: Sócrates enfatizava a importância de "conhecer a si mesmo". O método dialético servia como ferramenta para a introspecção e o desenvolvimento pessoal.
  • Ligação entre Conhecimento e Virtude: Ele acreditava que o verdadeiro conhecimento conduzia à virtude e, consequentemente, à felicidade. Para Sócrates, ninguém age mal deliberadamente; ações erradas são resultado da ignorância.
  • Promoção do Pensamento Crítico: Ao desafiar ideias preconcebidas, o método incentivava as pessoas a não aceitarem informações sem questionamento, fomentando uma cultura de análise e raciocínio lógico.

O método dialético exerceu uma influência duradoura na filosofia ocidental. Platão, seu discípulo mais célebre, adotou e expandiu essa abordagem em seus escritos e na Academia de Atenas. Aristóteles também foi influenciado por essa metodologia, refinando-a em suas próprias obras. Na educação moderna, o método socrático é empregado para desenvolver habilidades de pensamento crítico, permitindo que os alunos explorem profundamente os assuntos e construam conhecimento de forma ativa.

Virtude e Conhecimento

Sócrates postulava que a virtude é equivalente ao conhecimento, sustentando que ninguém age mal voluntariamente; os erros são consequência da ignorância. Essa visão implica que, ao adquirir conhecimento, o indivíduo naturalmente adotará comportamentos virtuosos.

A relação entre virtude e conhecimento pode ser ilustrada pela analogia com habilidades artísticas. Por exemplo, a virtude do pintor reside na compreensão dos princípios da composição, cor e técnica, bem como na habilidade de aplicá-los para criar uma obra de arte. Nesse contexto, "virtude" não se refere a um atributo moral, mas a um tipo de conhecimento específico que envolve a execução de uma tarefa criativa e a realização de uma visão artística. Essas duas dimensões são inseparáveis: ver o bem e fazer o bem são necessários e suficientes para o conhecimento do bem. Conhecer o propósito e o bem para os seres humanos e agir de acordo com esse propósito constituem uma única realidade. Assim, "ninguém erra voluntariamente" — ninguém escolhe fazer o que sabe não ser bom. Quando alguém age de forma incorreta, isso resulta da ignorância, um erro intelectual, não uma falha moral. A pessoa acredita estar agindo corretamente; se soubesse que não estava, não o faria.

Portanto, a única maneira de ajudar os outros é promover o conhecimento do que é bom para eles. Esse conhecimento é alcançado por meio da dialética, um método de investigar "a verdadeira natureza das coisas".

3. Legado e Princípios de Socráticos

Diferentemente de outros filósofos que se debruçavam sobre questões metafísicas, Sócrates acreditava que a filosofia deveria produzir resultados práticos para aprimorar o bem-estar individual e coletivo. Seu foco principal era compreender o ser humano, dedicando-se à ética e à política, e buscando entender como viver virtuosamente e contribuir de forma positiva para a sociedade.

Sócrates estabeleceu um sistema ético alicerçado na razão humana, afastando-se das diretrizes teológicas impostas por sacerdotes e governantes. Ele defendia que o conhecimento deveria ser gratuito e não utilizado para ganhos políticos ou materiais. Para Sócrates, o conhecimento era um direito universal, pertencente a toda a humanidade, não um privilégio de poucos. Ele considerava que negar o acesso ao conhecimento a alguém seria uma violação fundamental dos direitos humanos. Criticava a prática dos sofistas de cobrar por seus ensinamentos, argumentando que lucrar com o conhecimento era eticamente questionável. Esse desapego ao sucesso material e sua valorização do conhecimento como virtude moral atraíram muitos discípulos. Em seus diálogos, Sócrates buscava compreender e alcançar a virtude (aretê, em grego) por meio de um método dialético que questionava criticamente doutrinas amplamente aceitas. Ele via o conhecimento, a virtude e o diálogo como pilares essenciais para o desenvolvimento humano e social.

Canova. FIlosofia e Socrates, 1799.
Canova. FIlosofia e Socrates, 1799.

Para Sócrates, o bem supremo é a felicidade, e todas as ações são motivadas pelo desejo de alcançá-la. Ele afirmava que conhecimento, virtude e sabedoria estão intrinsecamente ligados, pois um indivíduo escolhe ações com base no que acredita lhe trazer maior felicidade. Quanto mais conhecimento se possui, maior é a capacidade de agir virtuosamente e compreender o que realmente proporciona felicidade. Não se pode considerar alguém verdadeiramente sábio sem ser virtuoso, e a conduta virtuosa é recompensadora por si só, sendo essencial para alcançar a verdadeira felicidade.

No campo político, Sócrates não apoiava nem a tirania nem a democracia em sua forma contemporânea. Ele acreditava que a melhor forma de governo seria liderada por um indivíduo dotado de habilidade, conhecimento e virtude. Para ele, a competência moral e intelectual do governante era essencial para o bem-estar da sociedade, superando sistemas baseados apenas no poder ou na vontade da maioria.

Por fim, Sócrates destacava a relação dialética entre filosofia e pedagogia, enfatizando o papel do diálogo como elemento essencial para ambas as áreas. Ele via filósofos e educadores como agentes do diálogo, contribuindo para o avanço do pensamento filosófico e das práticas educacionais. Essa visão ressalta a importância do questionamento crítico e da troca de ideias no processo de aprendizagem e desenvolvimento intelectual.

Esses princípios refletem a essência do pensamento socrático e oferecem insights profundos para a prática educacional contemporânea. Ao incorporá-los, educadores podem promover um ambiente de aprendizagem baseado no diálogo, na reflexão crítica e no desenvolvimento moral, honrando o legado duradouro de Sócrates.

3. Conclusão

Sócrates dedicou sua vida à exploração filosófica e ao estímulo do pensamento crítico. Sua abordagem inovadora e seu compromisso inabalável com a verdade não apenas moldaram a filosofia grega, mas também estabeleceram fundamentos que continuam a influenciar o pensamento contemporâneo. Seu legado perdura como um símbolo da busca incessante pelo conhecimento e pela virtude. A influência de Sócrates na filosofia é profunda e duradoura. Seu método dialético estabeleceu as bases para a filosofia ocidental e inspirou gerações de pensadores a questionar e buscar a verdade. Sua ênfase na ética, moralidade e autoconhecimento continua relevante, incentivando a reflexão sobre a natureza humana e a sociedade. Sócrates é frequentemente visto como um modelo de integridade intelectual e compromisso com princípios éticos, servindo como inspiração para filósofos, educadores e indivíduos em busca de uma vida significativa.

Referência

  • DUHOT, Jean-Jöel. Sócrates ou o despertar da consciência. São Paulo: Loyola, 2004.
  • GOTTLIEB, Anthony. Socrates. Routledge, 1999.
  • MORRISON, Donald R. Sócrates.Editora Ideias e Letras. 2016.
  • XENOFONTE. Ditos e feitos memoráveis de Sócrates. Tradução: Líbero Rangelde Andrade. São Paulo: Abril, 1972. Coleção Os Pensadores