Queria ver se essa genteTambém senteTanto amor, como eu sentiQuando eu te vi em CaririAtravessava um regato no quartauE escutava lá no matoO canto triste do urutau.

Olá, aventureiros e entusiastas do folclore brasileiro! Hoje vamos adentrar as profundezas das florestas amazônicas para conhecer o enigmático Urutau. Com sua aparência singular e um canto que ecoa nas noites silenciosas, o urutau tem despertado a curiosidade e alimentado lendas por gerações. Este artigo explora as características biológicas, comportamentais e culturais dessa ave fascinante.

Origem

Também conhecido como mãe-da-lua, urutau-pequeno, urutágua, Kúa-kúa e Uruvati (nomes indígenas do Mato Grosso), o urutau é uma ave cujo nome em tupi significa "ave fantasma". Embora não seja possível determinar com precisão a origem temporal e geográfica dessa lenda, o cronista francês do século XVI, André Thevet, oferece uma descrição de seu valor mítico entre os povos brasileiros. Thevet observa a associação da lenda com mensagens dos

O urutau ocupa um lugar significativo no folclore sul-americano, aparecendo em diversas lendas. Conhecido por diversos nomes nas Américas—"cacuy" na Argentina, "aguaitacaminos" na Venezuela e "whip-poor-will" na Guiana Inglesa e na Flórida—a ave simboliza consistentemente mitos de transformação e lamento de amor.  Entre os guaranis, a lenda de Nheambiú narra a história de uma jovem que se transforma em urutau após a morte de seu amado Quimbaá. Outra versão, originária do rio Araguaia entre os carajás, conta como Imaerô se tornou o urutau após um evento trágico envolvendo Taina-Can (a Estrela d'Alva) e Denaquê.

Aparência e Características

São aves noturnas que podem atingir cerca de 40 centímetros de comprimento, exibem uma coloração que vai do esbranquiçado na juventude a tons de cinza ou marrom na idade adulta, sempre adornados por manchas e estrias que aprimoram sua camuflagem nos troncos das árvores. Uma característica marcante é sua boca excepcionalmente grande, que, quando aberta, pode atingir até oito centímetros de diâmetro, facilitando a captura de insetos em pleno voo.

Seus olhos enormes, adaptados para a visão noturna, possuem pálpebras com frestas que permitem vigiar os arredores mesmo em repouso, sem fechar totalmente os olhos. Arborícolas por excelência, raramente descem ao solo, preferindo empoleirar-se na ponta de troncos mortos, o que aprimora sua camuflagem natural. Sua imobilidade é tão notável que, mesmo sob a luz intensa do meio-dia, passam despercebidos por quem transita pela floresta.O urutau é um pássaro solitário, de hábitos noturnos e difícil de ser avistado. É carnívoro e se alimenta de insetos, mas só come enquanto está voando.

Entre as muitas singularidades do urutau, destaca-se seu canto melancólico. Enquanto seu voo é silencioso como o de uma coruja, seu lamento ressoa nas noites tranquilas em três a cinco notas decrescentes, com um timbre soturno e fúnebre frequentemente considerado um presságio de mau agouro; após seu canto, parece que a noite se silencia, como se a natureza aguardasse a próxima estrofe. Distribuído desde a Costa Rica até a Bolívia e presente em todo o Brasil, assim como na Argentina e no Uruguai, o urutau habita florestas, bordas de matas e áreas abertas com árvores isoladas. Durante o dia, sua camuflagem e imobilidade tornam-no praticamente invisível a predadores e observadores, evidenciando sua extraordinária adaptação ao ambiente.

Cultura Popular

A lenda do urutau, de origem indígena brasileira, narra um amor proibido entre uma jovem indígena e um guerreiro inimigo. Após perder seu amado, a jovem fica tão triste que perde a fala. O urutau é o pássaro que simboliza seu lamento, chamando por ele e esperando seu retorno; quando a lua aparece, emite um grito triste que parece dizer "foi, foi, foi".

No imaginário popular, existe também a lenda da Mãe-da-Lua, uma mortal cujas dores a transformaram em um ser que busca poupar os outros de sofrimentos futuros. Os urutaus, embora pareçam desajeitados e agourentos, são mensageiros dessa entidade compassiva, enviados na esperança de que alguém compreenda seu doloroso recado e evite o mal. Se isso não ocorre, a ave serve como testemunha da dor alheia, e a Mãe-da-Lua armazena esses sofrimentos em sua Biblioteca da Dor. De suas lágrimas nasce o canto do próximo urutau, reforçando a ave como símbolo de presságios e intermediária entre o mundo natural e o sobrenatural.

O urutau desempenha um papel significativo no folclore e nas tradições de várias culturas sul-americanas. Sua figura está presente em contos, músicas e crenças populares, frequentemente associada a mensagens do além ou a avisos sobre eventos futuros. Essa simbologia destaca a profunda conexão entre as comunidades humanas e a natureza, refletindo o respeito e a reverência por seres que carregam mistérios além da compreensão imediata.

Considerações Finais

O urutau é uma ave que, além de suas características biológicas únicas, carrega um rico legado cultural. Suas peculiaridades físicas e comportamentais inspiraram lendas que atravessam gerações, reforçando a ligação intrínseca entre humanidade e natureza. Conhecer o urutau é mergulhar em um universo onde ciência e mitologia se entrelaçam, revelando a beleza e o mistério que permeiam a vida selvagem.

Referências

  • Cascudo, L. da C. Dicionário do folclore brasileiro. Belo Horizonte, Editora Itatiaia, 1993.
  • CASCUDO, Luís da. Antologia do Folclore Brasileiro. V. 1. Rio de Janeiro: Global, 2001.
  • CASCUDO, L. Geografia dos Mitos Brasileiros. Belo Horizonte: Itatiaia Limitada, 1983.
  • FERNANDES, F. O Folclore em Questão. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
  • Nomura, H. Avifauna no folclore. Mossoró, Fundação Vingt-Un Rosado, 1996.